Desço no ponto de ônibus de uma das avenidas mais importantes de Buenos Aires e busco, entre tantos edifícios, a entrada do museu da ditadura na Argentina. Chamado de Espaço Memória e Direitos Humanos, o local fica no lugar onde antigamente abrigava a Escola Superior de Mecânica da Armada, a antiga ESMA.
Por já saber que estou no ambiente do museu da ditadura na Argentina, acabo remetendo a minha memória a visita que realizei a Auschwitz, por conta dos diversos prédios. Porém, o que difere uma crueldade da outra é que na Cracóvia, o campo de concentração estava localizado em uma zona rural, um lugar distante e longe dos olhos do mundo. Já o ex centro clandestino de detenção, tortura e extermínio argentino, fica em uma avenida movimentada, próximo de estação de trem, lojas, estádio de futebol. Diante da vida de todos.
O que era o ESMA?
A Escola Superior de Mecânica da Armada, como o próprio nome diz era uma instituição de ensino destinada a formação de militares da marinha argentina, nas áreas de mecânica e engenharia.
Porém, durante o período da ditadura militar na Argentina, que durou entre 1976 e 1983, o local se tornou um dos principais centros clandestinos contra a vida de presos políticos. Suas funções educacionais não foram paralisadas, ao contrário, permaneceram em dupla função. Militares que estavam em formação prestavam serviços como vigias da repressão e os comandantes organizavam os grupos de tarefas divididos entre o serviço de inteligência, operações, logística e pessoal.
Centro clandestino de detenção, tortura e extermínio
Dentro da instituição, o chamado “Casino de Oficiales” era o local destinado ao cárcere, a crueldade e a morte dos militantes políticos. Em sete anos, 120 torturadores atuaram por lá. De todos os presos políticos que por ali passaram, cinco mil desapareceram.
Os presos eram trazidos encapuzados dentro do carro oficial da escola, que entrava normalmente pela porta principal a qualquer hora do dia. A partir daquele momento, eles não tinham mais nome e sim, número. Eram torturados e levados para a chamada capucha, uma área com pequenas divisões de 70 centímetros de largura, com um de altura e dois de comprimento, onde eram deitados em colchonetes, presos pelos pés e mãos, permanecendo com capuz durante todo o dia. As condições de higiene e as refeições, como se pode imaginar, eram precárias.
A enfermaria do local, servia como aparato para os cuidados de alguns presos que, por estratégia, deveriam ainda permanecerem vivos. Em muitas vezes médicos acompanhavam as sessões de tortura no porão, chamado também de setor quatro, com a finalidade de verificar os sinais vitais. As torturas eram realizadas com música em alto volume, para que os gritos não chegassem até os outros presos. Muitas das técnicas utilizadas foram aprendidas com militares franceses, que usaram aparatos semelhantes durante a Guerra na Argélia.
Quem não sobrevivesse a essas sessões, fossem dinamitados ou fuzilados, tinham os corpos queimados no campo de esportes da escola e depois enterrados por lá.
Não existe até hoje uma lógica que possa fazer compreender com exatidão os motivos que levaram com que algumas pessoas fossem liberadas e outras não. Alguns presos permaneciam no local por anos, enquanto outros ao chegarem já eram levados para o voo da morte que acontecia semanalmente.
Chamado de traslado, o procedimento possuía uma logística própria: enfermeiros aplicavam nos encarcerados uma injeção de Pentotal, um forte sedativo, que fazia com que eles perdessem a consciência. Logo, levados para uma base aérea militar, eram submetidos ao voo da morte, sendo jogados no oceano Atlântico ou nas águas do rio da Prata.
Museu da Ditadura na Argentina: números da repressão
Em 2.818 dias de repressão, de 1967 a 1983, a ditadura argentina desapareceu com mais de 30 mil pessoas, que possuíam de alguma maneira, direta ou indireta, ligação com partidos políticos, organizações civis e sindicatos. Intelectuais, estudantes, artistas e religiosos também eram alvo de perseguição. Entre eles, 81,4% eram jovens de 16 a 35 anos, que foram mortos em mais de 500 centros clandestinos de detenção, tortura e execução, espalhados pelo país.
Falar de algarismos em situações como essa sempre é muito delicado. O conceito de número foi um dos primeiros desenvolvidos pela humanidade, mas como falar de gente, de histórias, de vidas, de amores, de ideais, de lutas, utilizando eles? Quem foram essas 30 mil pessoas?
Em 1977, mães de sequestrados começaram a se reunir na frente da Casa Rosada, sede do governo da Argentina para protestar sobre o desaparecimento de seus filhos. Essa união deu fruto a “Asociación Madres de la Plaza de Mayo” com o objetivo de denunciar o terrorismo de Estado.
Presas políticas: ser mulher na ESMA
Durante o cativeiro na ESMA, a seção de enfermagem servia como uma maternidade clandestina. Sequestradas grávidas, as mulheres eram submetidas ao trabalho de parto, com a finalidade de “abastecer” um mercado ilegal de apropriação de menores. Além disso, muitas sofreram abusos sexuais (como a introdução de ratos em partes íntimas), violentos estupros e abortos forçados.
Mais de 500 crianças nasceram em cativeiro como denunciaram as “Abuelas de Plaza de Mayo”. Da luta foi criada uma associação que, até hoje, mantém investigações na esperança de encontrar seus netos e netas desaparecidos.
Com toda mobilização, um grupo de pesquisadores de universidades dos Estados Unidos conseguiram desenvolver os estudos necessários para a realização de testes de DNA a partir das amostras colhidas das próprias avós, garantindo uma exatidão de 99,99%, na época inexistente. Até o momento, 129 netos, hoje adultos, recuperaram a sua identidade.
Museu da ditadura na Argentina
Locais como o museu da ditadura na Argentina ou no Chile, são espaços onde a memória se faz presente com o objetivo de que apresentar a sociedade o que a intolerância pode fazer com a própria história. No Brasil, o Memorial da Resistência em São Paulo, cumpre timidamente esse papel, apesar dos avanços com a instalação da Comissão da Verdade.
Construído com base em relatos de aproximadamente 250 testemunhas que conseguiram sobreviver à repressão, o Espaço Memória e Direitos Humanos conta com intervenções audiovisuais e gráficas, como os desenhos feitos pelas vítimas, onde elas mostram como funcionava a organização do local e a disposição de cada um dos presos.
Com as primeiras denúncias internacionais, mesmo durante a repressão, os militares tentaram esconder os fatos, fazendo reformas estruturais no edifício, com a finalidade de despistar os relatos orais de sobreviventes.
Espaço Memória e Direitos Humanos: visita guiada
É possível participar de uma visita guiada gratuita pelos edifícios da antiga ESMA. Ela é oferecida de terça, sexta, sábado e domingo, às 15h, sempre em espanhol. Dividida em duas partes, ambas de 1h30, a primeira começa com um recorrido histórico pelos edifícios principais.
Já na segunda parte, é o momento de entrar dentro do “Casino de Oficiales”, o local onde realmente foi instalado o centro clandestino. Lá dentro a visita pode ser realizada com o áudio guia oferecido no aplicativo do museu ou seguir as placas (espanhol, português e inglês). Tudo é bem didático e auto-explicativo.
Atualmente além do museu, o ex ESMA abriga diversos órgãos que atuam diretamente na luta dos direitos humanos, como a Secretaria dos Direitos Humanos da Nação e o Centro Cultural de la Memoria Haroldo Conti, escritor e jornalista que foi sequestrado e está desaparecido desde 1976. O local é um espaço com programações de filmes, apresentações de teatro e exposições visuais.
Entre os diversos edifícios do complexo, um é destinado a luta das mulheres que até hoje buscam seus netos. Pelos pátios, existem placas contando parte dessas histórias. Algumas com sorte, possui um desfecho. Outras, aguardam até hoje uma resposta que ainda não chegou.
Nunca Más = Nunca Mais
Pelas ruas de Buenos Aires é comum encontrar pelas paredes e até no chão placas informativas que denunciam que ali, naquele determinado local, algum militante foi sequestrado e permanece desaparecido, de modo que mostra, de maneira singela, um respeito pela vida daquela pessoa.
Fazer parte de lugares como esse que marcaram a história de toda uma sociedade é importante não apenas como forma de se apropriar dos espaços, mas também para que nada do que foi vivenciado seja esquecido. Colocar no seu roteiro em Buenos Aires uma visita ao museu da ditadura na Argentina é também um ato político.
Museu da Ditadura na Argentina – Espaço Memória e Direitos Humanos / EX-ESMA
Endereço: Av. Del Libertador 8151, Buenos Aires – Argentina.
Próximo a estação de trem Rivadavia. Na porta, passam os ônibus 15, 28, 117 e 130.
Informações sobre como andar de transporte público em Bs As
Para quem se interessar em conhecer mais da ditadura militar na Argentina, a historiadora e doutoranda sobre o assunto, Cecília Heredia recomenda o filme “A História Oficial” (1985), do diretor argentino Luis Puenzo. Confira o trailer:
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