Em meio as folhas e o céu azul que refletem nas águas negras do rio, é possível ver o Brasil que pouca gente conhece. O destino é o Museu do Seringal em Manaus, mas a vida das comunidades ribeirinhas que encontramos até chegar lá, já chama a atenção.

Quanto mais o pequeno barco adentra os igarapés na bacia amazônica, mais vamos percebendo o quanto estamos em um mundo paralelo. Talvez seja por isso que a exploração proporcionada pelo ciclo da borracha, uma das mais trágicas e terríveis atrocidades praticadas no país, não seja assunto recorrente. Visitar o Museu do Seringal em Manaus é fazer com que essa história jamais seja apagada

Barco na Marina do David para o Museu do Seringal
Sö é possível chegar no Museu do Seringal de barco

Museu do Seringal em Manaus: lembranças desbotadas de um Brasil esquecido

Localizado dentro da zona rural de Manaus, no Igarapé São João, o Museu do Seringal foi inaugurado em 2002. Ele é praticamente um cenário que recria de maneira fiel como era a vida dos seringueiros que trabalhavam em condições análogas à escravidão, e as atividades dos donos do seringal, os chamados seringalistas, que viviam de modo requintado, com ostentação, conforto e luxo em plena Amazônia. 

Para conhecer o espaço expositivo é preciso participar da visita guiada, que é feita tendo como base o roteiro do filme luso-hispano-brasileiro, “A Selva”, do diretor português Leonel Vieira, lançado em 2001. Imitando o  seringal do Rio Madeira, toda a cenografia utilizada nas gravações foram doadas para a Secretaria de Cultura do Amazonas, como contrapartida ao apoio dado.

Casa principal do Museu do Seringal
Cenário onde foi gravado o longa metragem “A Selva”

Na trama, onde a atriz Maitê Proença interpreta a mocinha, um estudante lusitano se vê em meio ao seringal brasileiro, tendo de viver diversas aventuras na floresta amazônica. O longa metragem é uma adaptação do livro homônimo do escritor português Ferreira de Castro.

A primeira parte do passeio nos leva até a casa do Barão da Borracha, onde é possível identificar a vida cheia de abundância em que vivam. De lá, seguimos para a realidade dura e crua dos seringueiros, que eram presos a um sistema de aviamento, em um mundo sem leis.

Parte interna do Museu do Seringal em Manaus
Os donos do seringal viviam de maneira luxuosa para a época

O tal sistema de aviamento funcionava da seguinte maneira: aos trabalhadores, na maioria das vezes nordestinos vindos das classes sociais mais baixas, era vendida a ideia de que na região norte do país existia a possibilidade de prosperidade e trabalho. Por isso, muitos saiam de suas cidades atormentadas pela seca para tentarem a vida nos seringais. Chegando lá, essas pessoas já iniciavam suas jornadas devendo dinheiros aos seus patrões.

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A produção consistia no processo de vulcanização do látex e na fabricação da borracha pura, em esferas que pesava 10 quilos (no passeio dá até para pegar no colo e jogar no chão, como se fosse uma bola). Analfabetos, eram passados para trás nas anotações dos encargos no caderno e também no momento de pesagem da borracha por conta das balanças adulteradas.

Esse sistema de endividamento fazia com que o trabalhador se tornasse refém dentro do ambiente de trabalho. Para comer, se vestir, participar das festas religiosas, para sair de lá: tudo era preciso pagar e por um valor sempre superfaturado.

Igreja usada pelos seringueiros no Amazonas
Igrejinha onde eram realizadas as missas e confissões

O papel da igreja católica nesse cenário foi terrivelmente omisso, já que muitas vezes o padre escutava no confessionário os planos de fuga e no mesmo momento já repassava para os donos do seringal toda a rota. Quem ousasse fugir era assassinado. Muitos morriam também das condições duras de trabalho, de malária e até por conta das onças.

Com o calor, a jornada de trabalho se iniciava sempre a uma da manhã. Em dias chuvosos em que não era possível fazer o processo de vulcanização, eles trabalhavam na preparação da farinha de mandioca, sendo ralada e torrada.

Durante o passeio, é mostrado como funciona o processo de extração do látex, em uma seringueira com cerca de 80 anos. Perto dela, dá para ver também algumas das árvores plantadas recentemente. A parte mais legal é quando podemos colocar a seiva na palma da mão e com o calor, transformá-la em borracha. 

Látex vulcanizado
Produção do látex passando pela vulcanização

O que foi o ciclo da borracha?

O Brasil já vivenciou muitos ciclos ao longo da sua pequena história, mas o ciclo da borracha, principalmente em sua primeira fase na década de 1870, é um dos mais tristes que o nosso país já viveu

Os índios já conheciam desde sempre a chamada caoutchouc, nome dado por eles para as seringueiras, as árvores que choravam. Já haviam descoberto que dela saia uma seiva que era possível moldar. Os portugueses quando chegaram, também tinham tido contato com o material, mas seu uso não foi explorado.

Borracha para exportação
Borracha pronta para ser exportada

Apenas com o surgimento do automóvel e a descoberta de Charles Goodyear, um inventor americano, de que o látex junto com o enxofre criava um processo de vulcanização, que poderia servir para a fabricação de pneus, foi que tudo se transformou.

Assim, o país deu início ao chamado ciclo da borracha, quando Manaus se tornou um dos centros mais importantes do mundo devido a sua grande riqueza. Por lá existiam telefones, circulação de bondes elétricos, água encanada e três linhas de navios que ligavam Manaus aos EUA. A cidade foi a segunda do país a receber energia elétrica. Foi na fase áurea da borracha que o Teatro Amazonas, o principal edifício de Manaus, foi construído. Aliás, temos uma matéria especial contando a história dele e como funciona a visitação. Corre lá! 

Pequeno armazém dentro do Museu do Seringal
Cenário de um pequeno armazém onde todos os preços eram superfaturados

Mas, o que os barões da borracha não sabiam é que por volta de 1880, Henry Wickham, um botânico inglês, havia roubado cerca de 7 mil sementes de seringueiras e plantado em uma região tropical da Malásia, na Ásia. A notícia só surgiu no início da década 1890, surpreendendo  a todos e balançando os mercados internacionais, que acabou preferindo a produção asiática. Ou seja, no início do século XX aconteceu o fim do monopólio e o cessar do desenvolvimento, deixando tudo em pleno estado de abandono.

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Existem alguns filmes e reportagens que ajudam a compreender mais esse período e também a história da exploração do látex no Brasil. Tome nota: 

Viagens pela Amazônia (série de reportagens sobre o apogeu e a queda da borracha) 

Borracha para a vitória (documentário de Wolney Oliveira que conta o segundo ciclo da borracha no Brasil) 

É importante também conhecer a história do seringueiro, ambientalista e ativista político, Chico Mendes, que foi assassinado no Acre por lutar pelas melhorias de vida dos trabalhadores e também pela preservação da Floresta Amazônica: 

Como chegar ao Museu do Seringal de barco?

Para visitar o Museu do Seringal em Manaus é preciso tomar um barco na Marina do David, bem no final da Estrada da Ponta Negra. Quem faz a travessia é a empresa ACAMDAF e a viagem dura cerca de 30 minutos. É preciso ter paciência, pois a embarcação não tem uma hora certa para sair. Os barcos partem ao destino somente depois de cheios. O valor de ida e volta é R$ 14,00 cada trajeto.

tabela de preço dos barcos Manaus
Tabelo com os preços de Julho de 2019

Para voltar, é preciso aguardar que a guia do passeio avise aos barqueiros. Isso costuma demorar um pouco, então vá com tempo. A dica é combinar a ida ao museu, junto com um passeio na Praia da Lua, que fica no caminho. Nesse caso há um acréscimo no preço da passagem. 

Serviço:

Museu do Seringal Vila Paraíso
Endereço: Igarapé São João, no afluente do Igarapé do Tarumã Mirim, na Zona Rural de Manaus. 
Funcionamento: de segunda a domingo, das 9h às 16h.
Contato: museudoseringal@cultura.am.gov.br | (92) 3631-6047 
Ingresso: R$ 10,00 

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