O músico que faz das ruas seu local de trabalho fica suscetível a todo o tipo de interferência externa. Não apenas da chuva, que faz com que o artista tenha que encerrar o show antes da hora, ou do sol, que desafina o instrumento. Estar ali, diariamente exposto, faz florescer o sentimento de companheirismo junto ao público, sendo, a cada dia, surpreendido por ele. Willian Lee sabe bem disso.

Aquele parecia ser um dia normal e assim foi. Chegou ao centro da cidade, na região da Santa Ifigênia, com seu carrinho de mão adaptado. Dentro dele, uma bateria de carro, mesa de som e tablet. A infinidade de fios naturalmente demarcava o palco improvisado, composto ainda pelo pedestal do microfone e a caixa de som. Como de costume, começou a fazer um som.

Na dinâmica frenética da cidade com pessoas indo e voltando, partindo e chegando, o pedido de um rapaz que perguntava se poderia gravar o show foi respondido com um “Claro, é sempre um prazer!”.

Deu conta após alguns dias quando um amigo de outra cidade ligou perguntando se Willian sabia o que estava acontecendo. Só percebeu que havia algo diferente quando abriu o Facebook e se deparou com milhares de solicitações de amizade e mensagens, além da caixa de entrada do e-mail lotada.


Quando tudo se transforma


Um vídeo dele tocando Sultans of Swing da banda britânica Dire Straits, postado no site YouTube por Léo Franclin, seu fã, inexplicavelmente tinha se tornado, na linguagem das redes sociais, um viral com 500 mil visualizações apenas de quinta para sábado. A alta circulação do material o fez alcançar uma grande popularidade e o transformou, do dia para a noite, em um fenômeno da internet.

Este texto poderia terminar aqui, porque nas entrelinhas tudo já teria sido dito. Mas toda história tem um começo, na maioria das vezes, um pouco difícil. A dele não foi diferente.

Nascido em Belo Horizonte, filho de um militar e uma dona de casa, Willian ganhou dos pais uma forte herança musical. Em seu lar, o rádio ficava o tempo todo ligado, sintonizado nas canções sertanejas de raiz. Na visita até a casa dos tios na roça, eram as modas de viola caipira que embalavam suas tardes.

Já influenciado pelos amigos da escola, estreou na música em 1983, aos quatorze anos, apresentando um cover da música Billie Jean, do Michael Jackson, no programa Clube da Criança. Com dezesseis, ganhou o primeiro violão da mãe e, de maneira autodidata, começou a tirar das cordas seus primeiros acordes.

Como não nasceu em berço de ouro, demorou alguns anos para ganhar a tão sonhada guitarra. Quando enfim recebeu o presente, descobriu, naquele momento, o que queria fazer para o resto da vida. Só não sabia que, assim como seu ídolo da infância Bruce Lee, também teria que lutar para conquistar seu espaço.

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Amor pela música


O instrumento virou a extensão de seu corpo, um pedaço de si. Atrás de guitarristas amigos do bairro, pedia dicas de como tocar. Eles escondiam as manhas, os truques, ensinavam errado ou passavam para frente só o manejo básico.

Começou a trabalhar como vendedor de sapatos e roupas em uma loja do comércio e, só assim, pode pagar as aulas em uma escola de música. Porém, conciliar as oito horas de labuta em pé com os estudos não foi fácil. O rendimento e a evolução musical vinham a passos pequenos, o que incomodava demasiadamente o músico.

Como comerciante, conseguiu mudar para o ramo de vendas de instrumentos musicais. Ampliou seus horizontes, e São Paulo fez a sua parte: abriu as portas para o recepcionar. Acostumado ao rock and roll, blues e jazz, foi conhecendo o cenário musical da cidade que se aproximou do country music. Praticamente, teve que reaprender a tocar.

Mantendo de dia a profissão de vendedor, começou a tocar na noite paulistana. Logo já estava participando dos shows de grandes nomes do sertanejo, entre eles o cantor Sérgio Reis. A rotina cansativa não intimidava o jovem músico, ao contrário, o aproximava, cada vez mais, da concretização do seu sonho de viver da arte. Ficou nessa vida por dois anos, até o famoso sertanejo sofrer um derrame cerebral e ter a sua agenda de shows inteira cancelada, sem previsão de volta.

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A rua como palco


Certo dia, tocando na loja em que trabalhava, seu cliente e amigo, Sérgio Murillo, perguntou o motivo pelo qual Willian ainda não se apresentava nas ruas. Sem nunca ter pensado nisso, colocou na balança o amor ao instrumento, os anos de dedicação e, acima de tudo, a angústia de querer tocar e não ter lugar. Viu que, se não tomasse uma atitude radical, continuaria para o resto da vida trabalhando na área de vendas.

Tomou coragem com as dicas do amigo músico. Largou o ofício de comerciante e foi para as ruas, virar definitivamente artista. Essa data ele nunca irá esquecer: 10 de fevereiro de 2014. Tímido, na frente do Café Girondino, próximo ao metrô São Bento, tremia mais que vara verde. Foi difícil acertar uma música.

Depois, pegou o gosto. Começou a desenvolver um trabalho mais elaborado, identificando o que o público queria. Simples e de família humilde, não demorou muito para se adaptar ao contato direto com o povo. Sentia-se em casa, dando asas à nostalgia ao tocar músicas dos anos 60 aos 90, ritmos que embalaram muitos momentos marcantes nos capítulos da vida dos passantes do centro da cidade.

Guitarrista William Lee no centro de São Paulo
Artista de Rua em São Paulo

Willian conquistou a diferença e, após o sucesso repentino, viu sua vida mudar de vez. Hoje, até o momento, seu vídeo mais famoso possui mais de 5 milhões e 630 mil visualizações. Diversos sites internacionais especializados em música replicaram seu material. Sem contar com as outras músicas também disponíveis no YouTube, que juntas contabilizam aproximadamente 10 milhões de visitas. E estes números só crescem.


O encontro entre público e artista


Em uma tarde qualquer de um sábado, ele consegue atrair, a cada canção que toca, mais de 100 pessoas ao seu redor. Nem precisaria ter a placa “colabore com o artista” na caixinha de contribuições. Espontaneamente, as pessoas deixam ali dentro o reconhecimento em forma de nota. Se fosse agradecer verbalmente a cada um que colabora, não conseguiria cantar.

O CD, com músicas de composição própria, são vendidos por R$ 10,00. A cada música finalizada, ele para no intuito de autografar o material. As pessoas fazem fila, e ele conversa rapidamente de maneira carinhosa com todos. Enquanto isso, vai entretendo a plateia, contando passagens da sua vida, dedicando a próxima canção ou falando alguma curiosidade do cover que irá fazer.

Aliás, quem organiza toda a estrutura são seus irmãos. Como toda família, às vezes, tem um quebra pau, mas eles acabam sempre de alguma forma se entendendo. Cada um possui uma função, o que ajuda também a estabelecer uma harmonia melhor entre eles. Saionara cuida da parte dos eventos, fechando os contratos para shows.

Rodrigo cuida das gravações das bases musicais no estúdio, e Fernando está com Willian todos os dias na rua. Todos ajudam na administração das redes sociais, porém responder aos fãs ficou humanamente impossível. O artista recebe mais de 200 mensagens e e-mails diariamente.


Família como base de tudo


Foram alguns desses recados de admiradores que fez com que Willian fosse até de Juiz de Fora, em Minas Gerais, fazer um show na rua. Quando chegou em uma das praças principais da cidade, foi recepcionado por uma multidão de gente e pelo policiamento municipal que não o deixou tocar. Mesmo com gritos e pedidos de que a apresentação fosse autorizada. não conseguiu continuar o show. Pediu aos policiais para fazer a saideira e recolheu seu material.  

A rua hoje, na verdade, serve como uma vitrine para o artista. É lá que ele consegue os contatos para shows e eventos em diversas localidades do país, além da oportunidade de gravar alguns programas de televisão como o Encontros da Fátima Bernardes, Altas Horas do Serginho Groisman, Programa do Ratinho com o Carlos Massa, entre outros.

A época em que mais ganhou dinheiro foi durante a Copa do Mundo FIFA de 2014, quando teve a oportunidade de cantar para visitantes de diversos lugares do mundo. Na região central da cidade foi montada a FIFA Fan Fest, um ponto de encontro para moradores e turistas assistirem os jogos, o que acabava atraindo uma infinidade de gente. Só para se ter uma ideia, em uma das apresentações, um gringo pediu para tocar três vezes a mesma música, dando a cada bis uma nota de 20 dólares.


Dedicação e esforço


De segunda-feira, ele não trabalha. Acostumado a cantar mais de cinco horas diariamente, resolveu tirar o dia de folga para fazer aulas de canto, no intuito de preservar as cordas vocais com exercícios específicos. Além disso, costuma ter como mantra a máxima dos músicos que diz que “se você abandonar o seu instrumento por uma semana, ele te abandona por um mês”. Por este motivo, tem como costume estudar semanalmente o seu instrumento, já iniciando as pesquisas para seus próximos trabalhos.

– Não quero ser um músico que toca cover pelo resto da vida. É uma responsabilidade muito grande criar. Tocar algo que está pronto já é difícil, mas você consegue dependendo da música. Agora, criar algo que ninguém conhece, que é seu, partiu de você, que você sozinho idealizou, é muito mais complicado.

De tudo o que já viveu e do que ainda tem para desfrutar, sabe que seu trabalho é um agente transformador na sociedade. Teve diversas provas, mas a que mais o marcou foi no dia em que um senhor de aproximadamente 70 anos chegou devagarinho em seu show com sua bengala e um chinelão de couro. Ficou acompanhando a apresentação de Change The World do Eric Clapton e, em um determinado momento, pediu para falar com o Willian. Em seu ouvido, disse baixinho, com os olhos cheios de lágrimas:  

– Eu vinha, hoje de manhã, pensando em muitas coisas. Estou vivendo um momento muito difícil na minha família, perdi meu filho. Estava pensando em tirar a minha vida. Você sabe o que é um pai velho perder um filho jovem? Não tenho mais o que esperar. Sou aposentado, fico o dia inteiro em casa sem fazer nada. Agora, vendo você aqui, comecei a imaginar as dificuldades que possui para fazer o seu belo trabalho. O quanto você teve que lutar para estar aqui. Se eu não tinha motivos para viver, a sua força será o meu motivo.

Trecho do livro: “Palco & Asfalto – Um retrato dos artistas de rua na maior cidade do país”, de Thatiane Ferrari. 

Além do Willian Lee, outros artistas também fizeram parte do projeto. Conheça o trabalho de Luiz Carlos Ribeiro, a conhecida Rodela, que com muito humor, levava a leveza do riso para as ruas do centro de São Paulo. 


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