Rússia_Moscou_Família_Maravilhosa

Desperto no domingo de manhã do outro lado do mundo: Rússia. Na minha frente um dia inteiro de possibilidades e ao meu lado ninguém. Faço a checagem das anotações e planejo detalhadamente meu dia, com o prazer que só quem viaja sozinho consegue sentir.

Após enfrentar o temido, porém belíssimo metrô de Moscou, com todas suas placas e mapa em alfabeto cirílico, chego ao meu primeiro e principal destino do dia. Cercado de muralha com torres, na margem norte do rio Moscou, o Kremlin é o centro do poder político de toda a Rússia. Por trás de seus tijolos vermelhos existem prédios históricos, residência oficial, catedrais e tumbas.

Tudo estaria certo se a minha bota não resolvesse, ao cruzar o portão do Jardim de Alexandre, soltar uma parte considerável do solado. Tentei continuar a andar, mas depois de dois tropeços percebi que não daria para seguir o caminho.  Avistei uma porta que parecia um depósito dos funcionários, entrei. Lá dentro na penumbra um senhor ajeitava em um canto alguns objetos de jardinagem. Ele não entendia inglês e nem o desespero que me atormentava. Mostrei meu problema e a resposta foi uma cara de “não posso fazer nada”.

Sem ter nem ao menos um chiclete para unir as duas partes e quebrar um galho, resolvi ir atrás de uma cola, em uma caminhada de 1,5 km, até chegar a um mini mercado. Foi como encontrar água no deserto. A animação me deixou tão fora de mim que acabei estourando a embalagem da super cola na mão. Só quem já viveu a aflição de tentar tirar aquele grude da pele sabe o que senti.

Meus Dias na Rússia

Minha bota falando “oi! “

Nessa altura meu humor já estava tipicamente russo e sem condições de retornar ao Kremlin. Foi aí que tomei uma das melhores decisões da minha jornada, com a vantagem de ser uma viajante solitária e poder mudar completamente meu destino. Fui para o Mercado Izmailovsky, no extremo da cidade e distante de toda aquela agitação. (Para saber mais sobre o Mercado Izmailovsky, clique AQUI)

 



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O Mercado Izmailovsky é uma espécie de feira popular com souvenir, mercado de pulgas, comidas típicas, tudo junto e com uma arquitetura ímpar, cheia de torres coloridas.

Em meio a tantas matrioskas, miniaturas de igrejas e bustos do Lênin comecei a pesquisar presentes para meus amigos comunistas. Foi em uma loja, buscando uma explicação com a vendedora sobre os distintivos dos bottons soviéticos que escutei ao lado a seguinte frase: eu falo português.

Filha de coreanos e nascida no Uzbequistão, uma das repúblicas que formavam a extinta União Soviética, Alexandra Grigorieva é apaixonada pela cultura brasileira, tanto que aprendeu o idioma.

O mais curioso é que ela nunca colocou os pés por aqui, mas fala com a propriedade de quem nasceu em terras tupiniquins. Trabalha como contadora e é casada com o artista russo, Alexander. Os dois fazem parte da banda Time Of The Night (Время ночных людей), que toca além de jazz, música brasileira.

Encantada me deixei ser conduzida pelo mercado, guiada pela conversa e por Maria, filha da Alexandra, que segurava minha mão ainda cheia de cola com sua mãozinha tão delicada. Na despedida recebi o convite para conhecer na noite seguinte sua família completa.

Às 19 horas eu já estava na estação Perovo do metrô, aguardando minha nova amiga me buscar. Ao chegar no pequeno apartamento, localizado em uma espécie de conjunto habitacional da era soviética, fui recebida por seus filhos, Vera de 1 ano, Edmundo de 3 e Maria de 5, que esperavam ansiosos a minha chegada.

Papo, pizza e rum foram os ingredientes da noite que teve como “prato principal” bossa nova em português e em russo. Minha anfitriã me deixou com os olhos cheios de lágrimas quando resolveu cantar Caminhos Cruzados do Tom Jobim, acompanhada pelo dedilhado do violão de Alexander.

Vou sentir saudades, me disse Alexandra enquanto consolava Edmundo, que triste chorava com a minha partida.  E de pensar que tudo isso se deu por conta de uma velha bota…